domingo, 26 de fevereiro de 2012

Entrevista com o autor - Daniela Damaris

Pela primeira aqui nessa seção será entrevistado um autor de poemas. O nome da vez é a gaúcha Daniela Damaris, pessoa muito letrada, como vocês podem conferir, principalmente, na resposta da primeira pergunta.

Confiram, também, a resenha do livro de estreia dela no link: http://livroserocknroll.blogspot.com/2011/10/livros-lidos-em-2011_18.html

1. Quem é Daniela Damaris?


Daniela Damaris é alguém que aprendeu a silenciar para ouvir as primeiras confissões dos ventos no interior de Agudo, em Linha dos Pomeranos. Hoje, mora em Porto Alegre. É mestranda em Teoria da Literatura na PUCRS, especialista em Ciências da Religião pela UNISC, licenciada em Letras pela UNIFRA. Trabalha em cursos preparatórios para concursos em Porto Alegre, além de atuar como tradutora e revisora de textos. Organiza e apresenta o sarau Sentimentos de Mundo, integrante do Projeto “Quarta Tem Sarau no Quarto”, que acontece no Centro Cultural CEEE Erico Veríssimo, na Capital. É autora de Lótus e Cais de Cítara. Daniela Damaris é “os poemas que diz”.


2. A ideia de se tornar uma poeta surgiu de onde? Quais as suas influências?


Ninguém se torna poeta. Muitas pessoas se dizem poetas. Algumas delas o são, de fato. Não me digo poeta. Ainda não sei se realmente sou. Mas me sinto poeta, e não há outra sensação com que eu mais me identifique, pois vivo um tanto de poesia todos os dias.

Quanto às influências, elas estão em cada leitura que faço, seja em verso ou em prosa. Mas não se refletem naquilo que se diz, propriamente, no poema – ao menos não no meu caso –, em seu conteúdo, pois este é o que o poeta sente e percebe no mundo que o cerca, e não se pode ensinar a sentir; o que se dá é um aperfeiçoamento no modo de dizer, na linguagem utilizada, nos possíveis intertextos que se pode criar, permitindo uma escrita mais segura, que descobre, que ousa; e isso sem dúvida só é possível com a leitura de bons nomes da literatura – ou mesmo os nem tão bons, desde que saibamos identificá-los, pois nos alertam para o que não fazer.

Cito apenas alguns dos poetas de que gosto muito (se influenciam a minha escrita? Talvez. O leitor o dirá.): Florbela Espanca, Gabriela Mistral, Alfonsina Storni, Lara de Lemos, Élvio Vargas, Manoel de Barros, Hilda Hilst, Wislawa Szymborska, Affonso Romano de Sant’Anna, Garcia Lorca, Cecília Meireles (sempre). Narrativas de diferentes nacionalidades (contos, romances, biografias) e toda poesia de nomes consagrados e de novos autores a que tenho acesso também fazem parte de minhas leituras, além de teoria literária. Eu não poderia reduzir essas referências a um número determinado de nomes, pois este se amplia na proporção em que se ampliam as leituras que faço diariamente.


3. Apresente-nos suas obras.


Lótus (2010) é minha estreia na poesia, e como tal revela uma grande necessidade de libertação em cada poema. O conjunto que compõe este primeiro livro reúne poemas desde o final da adolescência até semanas antes de sua edição. Foi prefaciado por Élvio Vargas e apresentado por Gilsério Beskow.

Cais de cítara (2011) já traz poemas de um período bem mais curto. O livro todo foi escrito de agosto de 2010 a setembro de 2011. Já apresenta um estilo de escrita mais definido e poemas, a meu ver, ainda mais libertos, mais à vontade. O prefácio é de Paulo Roberto do Carmo e a apresentação de Romar Beling.

Em ambos, assim como nos poemas que sigo escrevendo, não me limito de modo algum a dizer o que sinto necessidade de dizer, e da forma que essa necessidade se apresenta. O único cuidado que tenho é de procurar não deixar que a minha escrita penda para o vulgar e para o lugar comum.


4. Seus poemas têm uma carga sensual e sentimental muito forte. O que te inspira a escrevê-los?


Alimento-me de abismos e de voos para fertilizar o terreno em que nascem poemas.


5. Seu livro de estreia, intitulado LÓTUS, possui um seio na capa. Em algum momento houve polêmica ou até preconceito em relação a isso?


Não houve polêmica ou preconceito, até onde sei – e se tivesse havido não me perturbaria de modo algum. Mesmo porque não se trata de uma imagem (e nem é imagem, mas uma tela) que possa ser associada a um erotismo escancarado, vulgar, embora seja um seio totalmente exposto. O seio é o símbolo máximo da feminilidade – e aí se tem sensualidade, ternura, alento. E o Lótus é isso: o olhar de uma mulher que se desvela em diferentes fases e faces, que diz o que talvez muitas mulheres nem admitem pensar – que dirá sentir ou expressar em palavras –, sem temer as diferentes interpretações sobre si e sua poesia: que são, no fim das contas, a mesma coisa.


6. Algum dos seus poemas foi inspirado ou dedicado a alguém em especial?


Não me inspiro em pessoas, mas em momentos, em vivências. E não dedico poemas, apenas falo por meio deles. Algumas pessoas me ouvem. As outras, essas não importam.


7. Qual a sua frequência de escrita? Onde e quando costuma escrever?


Não escrevo todos os dias. Calar e recolher fazem parte do processo. Ler faz parte do processo. Refletir faz parte. É como se flertasse com a escrita. E essa é uma conquista que não pode ser finita. Às vezes nos amamos. Não importa o lugar. Nem se é noite ou se faz sol. Se chove, se venta, se faz frio ou calor. Nessa hora, abdicamos do mundo lá fora. E é intenso. É mergulho. É inteiro. É quando surge um poema.


8. Você possui novos trabalhos para apresentar em breve?


Sim. Muito em breve, lanço-me do Cais de Cítara aos Mares de Siram. É um momento em que estou aparando arestas, trabalhando e organizando os poemas. Guardando por alguns dias. Depois relendo. Trocando impressões. Sentindo a temperatura. Em alguns meses, as águas devem estar prontas para o mergulho. O que já está decidido é o título (acima mencionado): Mares de Siram.


9. Qual a sua percepção em relação ao mercado literário nacional atualmente? Quais foram suas grandes dificuldades para publicar e o que recomenda àqueles que estão iniciando no mundo dos livros?


O mercado literário nacional carece de leitores. Penso que isso resume todo o cenário que se apresenta. E a justificativa de que se lê pouco porque livro é produto acessível a uma pequena minoria não serve. Há excelentes bibliotecas públicas, mas muitas delas às moscas, com meia dúzia de frequentadores, a maioria já em idade avançada e lendo apenas os jornais do dia ou alguma revista (ok, também são leituras importantes, mas e os livros? E os jovens em formação, onde estão que não leem?) e alguns funcionários entediados pela falta de algo a fazer (como alguém pode pensar que não há o que fazer numa biblioteca, ainda mais se está sem movimento?!). Além das bibliotecas, há livrarias com livros raros que custam o valor de um café, ou quando muito de um drinque. São os famosos sebos, aos montes em todo o Brasil, inclusive em espaço virtual. Faltam leitores. Pessoas que leem autoajuda, revistas fúteis e afins, fazendo pose de intelectuais, temos aos montes, mas leitores de verdade são escassos. E é claro que isso se reflete no ambiente das editoras, que acabam investindo apenas em nomes já consagrados (quando investem). E também nas livrarias, que dão destaque apenas a best-sellers (estrangeiros, na maioria). Raras vezes, e raras editoras, apostam em algum nome que acaba de surgir. O mercado literário, em muitos aspectos, acabou se tornando comércio vulgar, como qualquer outro – conseqüência, mais uma vez, da falta de público leitor –, ao que o escritor paga para ser publicado e ainda precisa cuidar de divulgar seu livro, muitas vezes sendo ele próprio o distribuidor e vendedor de seu livro.

Ao me aventurar a publicar, enfrentei todas as dificuldades que a maioria enfrenta. Tive de investir financeiramente tanto em edição quanto em impressão e divulgação do primeiro livro. No segundo, uma etapa vencida, pois uma editora apostou no Cais de cítara, e o investimento já foi reduzido a menos da metade. Com o mares de Siram, veremos o que há de acontecer.

Esse não é um mundo que permite grandes ilusões. É preciso aprimorar-se constantemente (a leitura, mais uma vez e sempre; e não se sentir obrigado a escrever desenfreadamente: a velha história de que quantidade não significa necessariamente qualidade. Eis outro grande problema: muitos escrevem, logo, muitos querem ser lidos; mas mesmo os que escrevem, muitas vezes, não leem mais que as referências já consagradas, quando o fazem; como alguém que não lê seus contemporâneos pode desejar ser lido?), desenvolver um olhar crítico a ponto de compreender que nem tudo o que se escreve é publicável – aliás, poemas ou textos em prosa devem ser tratados com responsabilidade e severidade, a ponto de serem corrigidos sem piedade, ou mesmo descartados. Não se pode despejar tudo para o leitor, é preciso ter filtros. É claro que no princípio alguns detalhes passam despercebidos, mas eles devem ser assumidos e revistos em trabalhos seguintes, missão para que só se estará habilitado recorrendo à leitura.


10. Pra finalizar, uma mensagem aos leitores do blog.


A mensagem que posso deixar, para quem escreve ou não, é a da importância da leitura sempre, em qualquer circunstância, pois é a partir dela que nos tornamos mais do que um ser flutuante entre tantos. O discernimento, o posicionamento diante da vida, a desenvoltura, o sustentar de uma argumentação com autoridade (e isso é indispensável em qualquer área) só são possíveis a quem lê (e lê o que realmente interessa).

2 comentários:

  1. Oi Márcio,

    Não conhecia a autora e fiquei impressionada com as palavras usadas pela autora em suas respostas. São precisas, eloquentes e que, além de responder conforme a pergunta traz um forte sentimento de escrita que só os poetas possuem.

    Parabéns pela entrevista, só tenho elogios para a mesma. Desejo sucesso e reconhecimento para a autora e a dica para nós leitores e não leitores é um tanto preciosa.

    Abraços!

    ResponderExcluir
  2. Olá, Thais...como citei no parágrafo de introdução da entrevista, ela é uma pessoa muito letrada. Isso é mais enfático pelo fato de ser muito jovem (não tem 30 anos ainda)...=D

    Obrigado pelo comentário!!!

    ResponderExcluir